Texto de Augusto Franco
Há muito venho sonhando com isso. Agora parece que a coisa vai.
A partir dessa visão básica (abaixo), que foi modificada após várias discussões, o SESI-PR elaborou um novo programa que começará a ser aplicado, em fase piloto, em duas localidades do Paraná, ainda no primeiro semestre de 2009.
Os AEL – Arranjos Educativos Locais – são clusters de aprendizagem. São, na verdade, aglomerados locais de pessoas e organizações (presentes sempre por meio de pessoas) que se formam criando ambientes favoráveis às interações educativas.
Os AEL não são apenas sistemas educativos – como as escolas e outros aparatos burocráticos, hierárquicos, voltados ao ensino – e sim sistemas sócio-educativos. Isso significa, em primeiro lugar, que eles não são “arranjos de ensino locais” (como também caberia na sigla AEL). Mas isso também significa, em segundo lugar, que eles pretendem aproveitar o capital social existente em uma dada localidade para impulsionar ou alavancar o desenvolvimento do capital humano.
Os AEL são uma forma de communityschooling, porém na linha do unschooling; quer dizer, de educação comunitária viabilizada por meio da conformação de comunidades de aprendizagem (e não de “ensinagem”, para usar a boa e vingativa expressão do educador José Pacheco). Ou seja, os AEL não pretendem substituir o sistema escolar, complementá-lo ou suplementá-lo (tapando os buracos eventualmente deixados pela escola), embora possam trabalhar em sinergia com os agentes escolares.
Por último, os AEL são para todos os que quiserem participar de comunidades de aprendizagem e não apenas para as crianças, ou para os jovens e, muito menos, somente para os pobres. Faz sentido, entretanto, que, diante das deficiências do quadro educacional brasileiro, haja uma priorização na faixa etária correspondente ao ensino fundamental básico.
Um AEL é composto por agentes comunitários de educação, lato sensu. Todas as pessoas que participam de um Arranjo Educativo Local, individualmente ou representando uma organização social, empresarial ou governamental, são – no sentido mais geral da expressão – agentes comunitários de educação, inclusive os assim chamados “alunos”.
Nos AEL não há a figura do professor e do aluno, que são próprias dos sistemas burocráticos (e hierárquicos) de ensino. Em um AEL todos são sujeitos da aprendizagem.
Em um sentido estrito, porém, podem ser chamados de Agentes Comunitários de Educação (ACE) os catalisadores de processos de aprendizagem, especialmente preparados e voltados (motivados e capacitados) para essa função. Tais agentes (os ACE stricto sensu) são necessários para desencadear o processo de formação dos AEL.
Podem participar da organização dos AEL quaisquer pessoas interessadas nos seus objetivos, independentemente de escolaridade ou de posição institucional. Mas para que o arranjo se conforme e se sustente no início é necessário atrair participantes da área governamental, empresarial e social que também sejam apoiadores da iniciativa.
São dois os objetivos fundamentais dos AEL: aprender a aprender a aprender a conviver (com o meio natural e com o meio social).
Aprender a aprender é a condição fundamental geral para a livre aprendizagem humana em uma sociedade inteligente. Esse objetivo poderia ser formulado assim: ensejar oportunidades aos educandos de “andar com as próprias pernas”, transformando-se em buscadores cada vez mais autônomos e polinizadores-mútuos (ou construtores coletivos de conhecimentos) cada vez mais interdependentes (do auto-didatismo para o comum-didatismo; e do lema “eu busco o conhecimento que me interessa do meu próprio jeito”, para o lema “eu guardo o meu conhecimento nos meus amigos” e para o lema “nós produzimos nosso conhecimento comunitariamente”).
Aprender a conviver com o meio natural e com o meio social é a condição fundamental para a sustentabilidade – ou para o desenvolvimento humano e social sustentável – (da localidade onde se instala o AEL).
Os AEL são espaços de compartilhamentos de agendas de aprendizagem compatíveis com seus objetivos (‘aprender a aprender’ e ‘aprender a conviver’).
Um AEL não é uma outra – velha ou nova – escola, nem uma espécie de “para-escola”. Em um AEL não há, portanto, propriamente falando, um currículo e sim agendas de aprendizagem que são construídas coletivamente.
Dessas agendas deverão constar aqueles conhecimentos ou habilidades necessárias para a realização dos dois grandes objetivos dos AEL.
Sugerem-se sete drives de aprendizagem (que também podem ser chamados de “Sete Alfabetizações”). Sobre todos ou alguns desses drives – “alfabetizações” – cada AEL construirá sua própria agenda.
1) a alfabetização propriamente dita, na língua natal (ler e escrever e interpretar o que leu: no caso, em português);
2) em uma segunda língua da globalização (pelo menos ler, em inglês ou espanhol);
3) matemática (dominar as operações matemáticas elementares e aplicar esses conhecimentos básicos na vida cotidiana);
4) lógica (aprender a argumentar e identificar erros lógicos em argumentos simples);
5) digital (navegar e publicar na Internet e operar as ferramentas digitais de inserção, articulação e animação de redes virtuais e blogosferas);
6) em sustentabilidade (incluindo alfabetização ecológica e alfabetização para o empreendedorismo – a pedagogia empreendedora – e para o desenvolvimento humano e social sustentável local ou comunitário); e
7) democrática (para a vida comunitária e para as formas de relacionamento que ensejam a regulação social emergente; i. e., as redes sociais distribuídas).
Os AEL não dão cursos. O aprendizado acontece no compartilhamento de agendas em torno desses e outros temas, em um processo catalisado pelos Agentes Comunitários de Educação. Isso significa que se formarão grupos para fazer coisas juntas (‘aprender-fazendo’), onde todos aprendem, inclusive os ACE, os professores eventualmente participantes e os representantes dos apoiadores institucionais (que ainda que possam ter títulos acadêmicos de graduação, mestrado ou doutorado, são – via de regra – analfabetos democráticos ou em sustentabilidade e, muitas vezes, analfabetos digitais, quando não em lógica, para dizer o mínimo).
Os métodos (pedagógicos) – sempre no plural – que serão utilizados na catalisação de cada agenda serão definidos a partir de um referencial conceitual que parte do conectivismo como teoria da aprendizagem e combina métodos de auto-didatismo (incluindo alguns processos já consagrados no homeschooling) com métodos de comum-didatismo (communityschooling). Para cada drive – e respectiva agenda de aprendizagem – já existem processos específicos desenvolvidos e trata-se de adaptá-los (como, por exemplo, a chamada “pedagogia empreendedora”, no caso do empreendedorismo) sem, porém, criar qualquer tipo de ortodoxia.
Baseados no conectivismo como nova teoria da aprendizagem, os AEL se organizam como redes distribuídas de pessoas, ou seja, como redes sociais, articuladas e animadas presencialmente e à distância.
Essas redes devem ter o grau máximo de distribuição e conectividade (todos-com-todos) de sorte a ensejar a geração de verdadeiras comunidades (de aprendizagem). Delas participam os agentes (stricto sensu, os AEC – Agentes Comunitários de Educação), os participantes (educandos), as pessoas que representam os parceiros institucionais e outros stakeholders sociais da iniciativa.
Não há nem deve haver, portanto, estrutura hierárquica (à semelhança das burocracias escolares e acadêmicas) nos AEL.
Em geral um mesmo AEL pode se dedicar a várias agendas de aprendizagem e, portanto, pode contar com vários grupos. Mais de um espaço físico pode ser utilizado dentro da localidade. Além disso, várias atividades das agendas de aprendizagem podem ser realizadas nas ruas, praças, margens ou cabeceiras de rios, lagos ou outras áreas públicas ou privadas. O tempo de ocupação dos espaços físicos prediais deverá ser administrado de acordo com as agendas de aprendizagem e o número de grupos envolvidos.
Além disso, é necessário ter uma equipe de Agentes Comunitários de Educação capazes de catalisar processos de aprendizagem em, pelo menos, alguns dos drives que darão origem as agendas que serão compartilhadas. Um processo de recrutamento, seleção e capacitação desses agentes é, portanto, condição para iniciar o trabalho.
Os ACE, dependendo da sua dedicação, podem até ser remunerados, mas é essencial que trabalhem no espírito do voluntariado (e sem horário fixo de trabalho). Cabe a eles também visitar regularmente as pessoas da localidade, de preferência de casa em casa (tal como fazem os Agentes Comunitários de Saúde) no início para explicar o projeto e, depois, para relatar os avanços obtidos e as dificuldades encontradas, mantendo as pessoas informadas.
Cabe ainda aos ACE fazer o netweaving da rede virtual que se organizará em cada AEL, administrando a plataforma interativa utilizada.
Dessa rede virtual farão parte não apenas as pessoas que participam presencialmente do AEL, mas também as que estiverem interessadas em acompanhar a experiência. Essa ligação com a sociedade são as raízes sociais do programa, o seu lastro de capilaridade social. É por meio desses “dutos” que o capital social da localidade será “importado” como um recurso capaz de fazer a diferença. Estima-se que pelo menos 1% das pessoas da localidade (bairro, distrito, município – no caso de municípios pequenos – ou outra unidade de vizinhança) deverão estar conectadas no AEL. Isso, de certa maneira, delimita o tamanho populacional da localidade escolhida para a implantação do AEL (o ideal é uma rede de até 150 membros – onde é possível realizar o ‘todos-com-todos’ –, o que significa uma localidade com no máximo 15.000 pessoas; mas é possível trabalhar com localidades um pouco maiores, não muito). Neste 1% devem estar os que cumprem papéis de destaque na sociedade do ponto de vista da rede social (como os hubs, os inovadores e os netweavers).
Postei este resumo inicialmente na Rede Vivo Educação, onde foi criado um novo grupo chamado Sistemas Sócio-Educativos que está tentando definir o seu escopo.
http://escoladeredes.ning.com/profiles/blogs/arranjos-educativos-locais-um
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http://jfjug.dev.java.net
http://tukanu.dev.java.net
"Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda." (Cecília Meireles)
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